sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A LENDA DO KAWÉRA


                        Kãwéra que em língua maraguá significa “esqueleto velho” é uma entidade da mitologia Maraguá. Ser horripilante, dá arrepios nos ouvintes das tradicionais narrativas noturnas, hora em que a aldeia, quieta, ouve com atenção as antigas historias de “visaje” contadas por dezenas de “morõgetánhe~gaçara” (contadores de historias maraguá)- mestres das narrativas e especialistas em deixar os ouvintes de cabelo em pé.
                        Temíveis homens-morcegos, os Kãweras são sedentos de sangue e famintos de carne-humana. Raça de seres malignos e perseguidores dos maraguás, por isso mesmo, seu maior inimigo no campo místico e religioso.            
                       Implacáveis caçadores de gente, os Kãweras receberam originalmente o nome de Zorak, o que em língua maraguá quer dizer: “filhos do demônio”. Esses foram os primeiros morceganjos.
                     Menos humanos que os atuais, os Zorak eram criaturas lúgubres, metade gente metade morcego e habitavam as escuras cavernas da ilha que fica em meio ao lago sagrado Waruã, um lago encantado de águas escuras, que nunca está dois dias num mesmo lugar, pois desaparece sempre após os por-de-sois e que existe desde o inicio da criação do mundo quando Gwaziry, filho de Monãg, criando os rios, deixou escorrer parte da água que corre nas profundezas do submundo Pa’ãguáp, morada de Anhãga, o deus do mal e inimigo de seu pai, o senhor do universo segundo a religião Urutuópiãg dos maraguás.
                   Foi na época em que o semi-deus Gwaziry ainda  habitava entre os humanos que eles foram  criados. Anhãga foi quem os fez a partir do sangue de seu dedo empuquecado com a erva sagrada anhãga’pyra’ãga. Dessa mistura nasceram os Zorak.
              Os Zorak enxergavam pouco. Talvez seja por isso que segundo a lenda não puderam impedir sua extinção frente a esperteza dos heróis Ebenzekê, Parket e Ezayerê únicos humanos que ousaram enfrentá-los.
               Eles efetuaram uma matança geral e puseram fim em sua moradia no lago sagrado, porem não impediram a fuga de Ezamume, seu líder máximo, que fugindo, voou até a cabeceira do rio Kãwera e lá criou uma nova colônia.
              Ezamume, desde que foi derrotado pelos maraguás e precisou fugir pelo teto, enquanto os quatro heróis abatiam seus iguais com fortes tacapes e ateando fogo na caverna, procura se vingar, atacando os índios que se encontram distante das aldeias ou próximo ao seu atual refúgio – uma gigantesca arvore localizada na cabeceira do rio Kãwéra, afluente do rio Abacaxis.
             Ele perdeu a batalha, mas não a guerra. Voando em direção a cabeceira do rio Kãwera, no caminho pousou sobre uma aldeia onde agarrou com suas enormes garras uma mulher índia chamada Potãga e a seqüestrou. Com essa mulher ele teve relações e passado dois anos, já não era somente Ezamume, mas uma porção de filhotes de morcego-gente, todos parecidos com ele e com   sua mulher, dando origem a uma forma mais humana dos Zorak, pois alem de terem o poder do pai, tinham o DNA da mãe. Dessa maneira aparecerem os Kãwéras.      
              Os Zorak atuais continuam vivendo como Ezamume, dentro de uma gigantesca arvore, servindo-se de buracos fétidos para entrar e sair, momento em que vão caçar gente para seus banquetes. Sua aparência não é muito agradável: Mistura de morcego e gente, tem a cabeça de cachorro e os braços grudados a grandes asas pretas das quais se prolongam enormes garras. Seus olhos chispam fogo e sua língua tem formato de língua de serpente, assim como sua calda. Dizem também que são poucos, mas que em tempos antigos eram muitos, e suas colônias dominavam todo o percurso do rio Abacaxis.
               Quanto a Ezamume, mesmo depois de muito tempo, ainda vive. Dizem que gostou tanto de ter relações com humana que desde que seqüestrou Potãga, já fez filho em dezenas de mulheres índias e algumas brancas, dando origem a Kãweras brancos, também chamados de Albinos, esses, dizem, são os mais malvados, e preferem atacar povoações não-indias, de pessoas recém chegadas a floresta.
             Hoje Ezamume já está velho, pouco sai do buraco da grande arvore, prefere esperar que seus filhos tragam carne fresca em seu paradeiro.
                Certa vez, um grupo de caçadores Maraguás tentando chegar a cabeceira do rio Kãwera depararam-se com uma enorme arvore. Então se lembraram da lenda contada de geração em geração, desde os mais antigos malylis (como são chamados os pajés na língua maraguá) e constataram sua veracidade.
              Tentaram continuar viagem, mas quanto mais se aproximavam da arvore, mais sentiam um forte cheiro de urina de morcego. O fedor era tanto que suas cabeças começaram a doer de uma tal forma que mal podiam caminhar. Alguns deles chegaram a cair no chão atordoados, mas foi só.
              Sem ter como continuar, deram meia volta e ainda viram um enorme buraco em cima do grosso tronco daquela arvore assustadora.
               Contaram o acontecido ao malyli da aldeia e ele confirmou: - É lá a morada de Ezamume e dos seus filhos.
            Nunca mais houve outra expedição para aquelas bandas, mesmo porque convictos de sua existência, os maraguás não ousam chegar próximo de Ezamume. Seu nome realmente mete muito medo. Nas historias tradicionais contadas aos por de sois, seu nome é respeitado e muito temido. Muita gente prefere ouvir historias de qualquer “bicho” a ter que ouvir historia de Kãwera e conseqüentemente sonhar com Ezamume – o medo mais profundo de qualquer um.